segunda-feira, 22 de março de 2010

Dia das Águas e águas de Caeté – uma reflexão.

Ribeirão da Prata (detalhe). Foto: Ana Flávia Coelho


O que há prá se comemorar, lamentar ou discutir nessa data, aproveitada por muitos para a autopromoção empresarial, institucional ou para propor ações pontuais e planos que se revelam na maioria das vezes equivocados e insuficientes. Em Caeté as discussões em torno da água, bem essencial à vida ainda engatinham, principalmente ao nível da maioria da população que não conhece a real situação que se encontram os nossos mananciais, córregos e ribeirões. Caeté, localizada geograficamente junto ao divisor de águas representado pela Serra do Espinhaço, na bacia do Rio das Velhas, só dispõe para seu uso das nascentes e cursos d’água que formam as sub-bacias do Rio Caeté-Sabará, Rio Vermelho e Ribeirão da Prata, nada mais. A disponibilidade de água subterrânea ainda não é totalmente conhecida e depende da composição e estrutura geológica que pode favorecer ou dificultar a formação de aqüíferos, sendo que essa alternativa para abastecimento público está sendo direcionada para pequenas comunidades, mesmo assim o risco de contaminação dessas águas é sempre presente. Muitos de nossos córregos estão poluídos o que torna o serviço de tratamento de água mais caro, ressaltando-se que a tarifa do SAAE tem valores que permitem à população pagar e usufruir do serviço e, apesar das reclamações, o SAAE conta com a simpatia da população que rejeitou em passado recente a tentativa de substituição da autarquia municipal, absurdamente articulada pelo governo municipal atual, pela COPASA, empresa semi-estatal de capital aberto que tem a água como mercadoria. Aliás, esse é um dos pontos fundamentais que ainda diferenciam o serviço prestado pelo SAAE e o da COPASA, o primeiro presta um serviço público no qual a água, apesar do valor econômico, é considerada como bem comum, portanto, o objetivo principal do SAAE não é o lucro.
Mesmo assim percebe-se que uma melhor gestão dos recursos hídricos é necessária, pois as cenas diárias de desperdício são comuns, os estabelecimentos públicos não pagam pelo consumo de água, muitos usuários não têm hidrômetros, as nascentes urbanas estão comprometidas, os problemas de abstecimento agravam-se e o pior, percebemos que o órgão municipal responsável por nossas águas está cometendo um equívoco, dentro da nova geopolítica das águas, que poderá custar muito caro no futuro: está abrindo mão das águas da bacia do Ribeirão da Prata.
Por quê?
Sabe-se que a maior parte das captações do SAAE são de águas enquadradas como classe 2*, que servem para “abastecimento para consumo humano após tratamento convencional” exceto, a do Descoberto na região da Serra da Piedade, de classe especial, que dentre outros usos serve para “abastecimento para consumo humano com desinfecção”. Essas águas vêm sofrendo um processo de degradação, mesmo com a criação de diversas APAs para sua proteção, unidades de conservação que carecem de uma efetiva implantação, sendo já palco de conflitos em torno do uso da água, como os do ano passado entre o SAAE e os horticultores do vale do Ribeirão Ribeiro Bonito, o primeiro buscando garantir o abastecimento público e os outros, a manutenção de suas culturas durante a estiagem. Voltando às águas da bacia do Ribeirão da Prata, localizada nas divisas de Caeté/Santa Bárbara/Rio Acima/Raposos, com enquadramento classe 1, que dentre outros usos serve para “abastecimento para consumo humano após tratamento simplificado”, portanto de custo mais baixo, tentaremos compreender porque o SAAE ignora/descarta a alternativa de uso de suas águas. A região do Ribeirão da Prata e seus afluentes está na Serra do Gandarela, local pretendido pela Vale para a implantação da Mina Apolo e a empresa ao contrário do SAAE (leia-se governo municipal), precisa muito dessas águas para beneficiar seu minério e para despejar rejeitos nas barragens que, conforme o Estudo de Impacto Ambiental, ficarão nos vales dos córregos dessa bacia, pouco acima da Cachoeira de Santo Antônio. Talvez o município de Caeté não precise dessas águas como devem pensar nossos gestores públicos (com o que não concordamos), mas os municípios vizinhos precisam, especialmente Raposos que criou em seu território uma área de proteção da bacia do Prata e Belo Horizonte que tem a captação de Bela Fama (60% da água consumida por BH) pouco abaixo e precisa das águas do Gandarela, importante área de recarga de aqüíferos, com inúmeras nascentes e córregos para manter as águas do Rio das Velhas dentro de níveis aceitáveis. Por que Caeté comete esse erro estratégico, que poderia significar no futuro até uma possível cobrança de royalties sobre o fornecimento de água de qualidade ou esse erro é deliberado, pois todos sabem da estreita relação entre a Vale e o governo municipal, estendendo-se inclusive à Câmara de vereadores? No ano passado foi celebrado um convênio entre a prefeitura e a Vale para a elaboração do Plano Diretor de Recursos Hídricos (PDRH) do município e até o momento tal documento não veio a público. Será surpresa se o PDRH assegurar que a água que dispomos, sem mencionar a bacia do Ribeirão da Prata, considerando-se, hipoteticamente, que para os seus mentores esta já seria de "propriedade" da empresa, é suficiente para o município no presente e no futuro?
Podemos abrir mão disso? Onde está a responsabilidade dos nossos governantes? Será que a venda que cega e impossibilita a visão de futuro é também "verde e amarela"?


Você sabia que a construção de um túnel ferroviário da Vale (ramal Capitão Eduardo-Costa Lacerda) em passado recente transpôs um córrego inteiro, através desse mesmo túnel, do município de Caeté para o município de Barão de Cocais?
*Classificação das águas do Estado de Minas Gerais - Deliberação Normativa COPAM nº 20 de 24/06/97.

Um comentário:

RonaldoCandin disse...

Vislumbrando o enfraquecimento do modelo de gestão pública contaminado por interesses econômicos e particulares e diminuir o conflito destes interesses com os da coletividade leis que foram criadas na esteira da Constituição de 88 prevêem a municipalização da gestão publica através dos Conselhos Municipais.
Por entraves postos pelos que não querem democratizar a gestão, tal modelo até hoje não começou de todo a funcionar. Nele todos teriam garantido espaço de atuação da sociedade civil não governamental representada por suas associações de interesses afins para contrabalancear com os segmentos que por serem governamentais e públicos deveriam nos representar também, mas que podem estar representando outros interesses que variam de acordo com o grupo político que está no poder. Estes Conselhos teoricamente devem deliberar sobre a aplicação dos recursos, criarem políticas públicas e serem ouvidos sobre as decisões tomadas em suas respectivas áreas de atuação. Não estou falando de coisas desconhecidas; são os velhos e conhecidos Conselho Mun. De Saúde, Cons. Mun. de Educação, de Meio Ambiente (leia-se CODEMA), de Cultura, da Criança e do Adolescente, do Transporte Coletivo e alguns outros que estão previsto na Lei Org. Do Município e que nem si quer foram instalados.
Porém a resistência ao novo modelo de gestão se dá exatamente quando, obrigado a instalar tais Conselhos o Poder Público viciado e enraizado no modelo anterior, o faz destorcendo-os e tornando-os dominados. Como? Simplesmente ao contrário de instalá-los paritários cria mais vagas para o setor governamental reservando inclusive a figura de Presidente para o Secretário Municipal do respectivo setor. Ou em último caso que esteja no cargo alguém do grupo político ligado ao Gabinete do Prefeito. Isso o torna controlável mantendo os recursos e as decisões manipuláveis. Vide recente modificação no formato do CODEMA de Caeté praticado pela atual administração já visando empurrar garganta abaixo da população projetos como o da Vale sem qualquer debate.
Num outro contexto, naquele imaginado quando se criaram os Conselhos, a referida empresa conseguiria explicar porquê retirou todos os trilhos da linha férrea de Caeté inviabilizando um meio de transporte barato e menos perigoso para a população? Ou mesmo o assoreamento da represa Juca Vieira sem nenhuma atitude para reverter a sua degradação? O desvio do córrego referido no texto principal causando prejuízo aos mananciais de abastecimento público de Caeté? Ou o SAAE conseguiria explicar sua atitude equivocada e desleixada na questão do Ribeirão da Prata? A Prefeitura conseguiria justificar sua atitude subserviente diante da Vale num projeto em que os benefícios momentâneos à população (se é que haverá) serão contrabalanceados com prejuízos irreversíveis causados pelos impactos ambientais e sócio-econômicos inerentes a esse tipo de atividade?
Ronaldo Candin.