segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Mineração, asfalto e votos

O informativo "Mais Caeté", veículo de divulgação do governo municipal, noticiou na semana passada que vai receber uma usina de asfalto como compensação de danos causados pelo transporte de minério pelas vias da cidade. Os cálculos da prefeitura totalizaram um prejuízo de 1.400.000 reais, em período não informado e presume-se que aí estejam contabilizados os danos às ruas, às redes de água, drenagem e esgoto, a poluição do ar, o risco às pessoas, aos demais veículos, ao trânsito, ao comércio e ao meio-ambiente de forma geral, caso contrário teriam que ser considerados todos esses itens e talvez outros mais. As empresas AngloGold e Jaguar Mining (MSol) doarão valor equivalente em dinheiro e equipamentos para a tal usina e nas palavras de um de seus representantes "Com a doação da mini usina vamos garantir a população de Caeté a manutenção sustentável de suas vias públicas”, entre elas, evidentemente, as vias que seus caminhões utilizam ininterruptamente e nas quais causam danos que todos podem verificar. O conceito de sutentabilidade das empresas é restrito, pois não considera a sustentabilidade da cidade de forma mais ampla, quando se sabe que o asfalto impermeabiliza as ruas e não permite a absorção das águas das chuvas, sendo esta carreada em grandes volumes para as áreas mais baixas e córregos, podendo causar inundações com todas as suas consequências. Teme-se o uso indiscriminado e sem critérios do asfaltamento das ruas da cidade, descartando-se outras alternativas mais ecológicas e, avançando um pouco mais na questão, uma usina de asfalto em ano eleitoral pode se transformar em uma importante forma de angariar votos, principalmente entre aqueles que ainda confundem asfalto com progresso.

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Gaia

Mãe,

O leite do meu seio é magma, o leito, do meu sono, é água. Participo de um equilíbrio delicado, tenho nomes e meus nomes tem camadas, como a forma pela qual me entendem meus filhos. Se me arrebatam a roupa de cama, remexo, sinto frio, suo, tremo. Se me perfuram a carne em demasia escorre do meu ventre o que escorre dos seus, minha seiva, meu sangue, minha vida.
Gaia, mesmo nos códigos que vocês inventam, esquecem depois seus significados. Vivem rodeados dela. Seja onde pisam, onde moram, o que respiram, comem, digerem, desejam, onde morrem e o que se tornam sempre: matéria. Lembro de quando descobriram a palavra matéria, vinha de Mater, Matris, “Mãe”. Porque certas palavras não se criam, certas palavras se sentem.
Erda, sou a anciã que sustenta teus saltos mais mirabolantes, tuas acrobacias e invencionices. Sou a senhora complacente e submissa, que recebe os castigos malcriados dos filhos imaturos. Sou a firmeza calma e duradoura. Além de ser suas bases, sei de algo que não sabem aceitar: eu fico, vocês passam. Antes de vocês houve outros e depois os haverá, tão cedo que nunca se lembrarão, tão tarde que nunca conhecerão. Ainda assim, os amo e nutro, como únicos.
Geb, sou universal, primordial, essencial. Sou fecundada pela água que sai de mim mesma. Minha língua é um sistema que se equilibra sozinho e eu tenho algumas eternidades para me equilibrar. Mesmo que eu tivesse pressa, vocês nunca notariam. Suas idéias, pensamentos, seus mais puros ou devassos sonhos são piscares dos olhos de seus próprios deuses, cada um dos quais precisou de um solo para erguer suas sinagogas e catedrais... e eu os doei com tanta alegria!
Porque tenho um carinho especial pelas formas como resvalam em mim sem me perceber. Ninguém pode vir ao mundo sem passar por mim, ninguém pode ver a luz se não por mim. E vocês me procuram em tantos lugares incríveis, e vocês me projetam a alturas indizíveis. De alguma forma não cabe a vocês – ainda – perceber que eu possa estar abaixo da planta de seus pés e ainda assim palpitar dentro do seu peito saída diretamente de uma alga. Porque eu sou mais singela do que vocês imaginam e vos acaricio por inteiro, não importa o que vocês façam, não importa onde vocês vão, eu estarei lá, eu serei lá.
Procuram meu centro em tantos espaços, terras santas, bem aventuradas, centros do mundo. No meu centro mesmo não podem viver, e já bem o conhecem, mas podem fazer de qualquer espaço meu um centro. Não sou mais eu aqui do que lá, mas sinceramente? Gostaria que fizessem de si mesmos centros sagrados. Porque eu vou ficar aqui, mas me dói ver vocês partindo tão cedo.
Autor: Renato Kress, Sócio-Diretor na empresa ATENA - Arte em Treinamento Especializado e Neurolingüística Aplicada