Gandarela : o Avatar é aqui
Paulo Baptista *
Tal como no filme de James Cameron, a região da Serra do Gandarela vive hoje uma disputa entre a cobiça por lucros cada vez maiores e a necessidade de preservarmos o patrimônio socioambiental de um paraíso ainda intocado. O Gandarela abriga a área mais significativa de campos ferruginosos e de mata atlântica no Quadrilátero Aquífero, que suporta o maior volume de águas subterrâneas e nascentes de água pura da região central do Estado. No Gandarela estima-se estarem armazenados cerca de 1,6 trilhões de litros de água potável, cuja recarga pelas chuvas é feita através da couraça de canga ferruginosa que recobre seus pontos mais elevados. A sua proteção é estratégica para o futuro da Região Metropolitana de Belo Horizonte: as águas do Alto Rio das Velhas, alimentadas em parte pela vertente oeste da Serra do Gandarela e captadas na estação Bela Fama, em Nova Lima, abastecem 60% da demanda de água de Belo Horizonte e 45% da RMBH.
Esse patrimônio hídrico tem um valor econômico que pode ser estimado hoje em centenas de bilhões de reais, se pensado como reserva para o abastecimento futuro da população. Nas áreas mineradas, entretanto, essa camada de canga, que abriga ainda um ecossistema de elevada biodiversidade e alto grau de endemismo, ou seja, com espécies cuja ocorrência é restrita a poucos locais e portanto extremamente vulneráveis, é explodida e descartada como “material estéril” para se explorar o minério de ferro, destruindo a vegetação e prejudicando a recarga e proteção dos aquíferos ali localizados.
A criação do Parque Nacional da Serra do Gandarela visa proteger não apenas essa enorme riqueza hídrica e de biodiversidade mas também um cenário de belíssimas paisagens, em uma localização privilegiada pela sua proximidade a Belo Horizonte, Ouro Preto e os santuários do Caraça e da Serra da Piedade. Sua implantação criará condições para que a população dos municípios integrantes possa desenvolver atividades econômicas ligadas ao comércio, turismo e à economia familiar, de maneira sustentável e permanente, ao contrário da exploração mineral, que em menos de vinte anos esgotaria as reservas de ferro, deixando para a população apenas a degradação da região e uma série de conflitos sociais, como nos mostra a história recente de vários municípios de Minas Gerais, como Itabira, Barão de Cocais, Congonhas e Conceição do Mato Dentro.
A indústria da mineração em Minas Gerais tem sido beneficiada há muito tempo por uma legislação anacrônica que permite a exploração predatória das riquezas pertencentes a toda a sociedade por empreendimentos privados que deixam para a população um gigantesco passivo ambiental e social. Os impostos arrecadados pelos municípios e pelo Estado, bem como os empregos gerados localmente, são irrisórios frente aos lucros dos empreendedores e à destruição irreversível do meio ambiente. Para as empresas de mineração, o Gandarela seria apenas mais um número a ser acrescentado à extensa lista de minas já exploradas e não recuperadas: os lucros que ali seriam obtidos significam um pequeno percentual frente a tudo que já foi e continua a ser explorado em várias outras regiões de Minas Gerais, sem realmente aumentar a dignidade e a qualidade de vida da população.
Para o nosso patrimônio socioambiental, hídrico, paisagístico e de biodiversidade, por outro lado, a preservação da Serra é, como no filme, uma questão de sobrevivência futura: o Gandarela é a última grande reserva natural intacta no Quadrilátero Aquífero e sua exploração pela mineração destruiria o pouco que ainda nos resta das formações de canga na região, podendo comprometer o abastecimento futuro de água da RMBH e cidades vizinhas.
O Gandarela é “a jóia da coroa”, um local extremamente privilegiado em seus atributos ambientais e em suas paisagens, e como tal precisa ser preservado para que nossos filhos, netos e bisnetos possam usufruir de todas as suas maravilhas.
* Fotógrafo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais
Publicado originalmente no jornal do Gandarela
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