quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Serra da Piedade: mineração outra vez?

Foto: Alice Okawara

Hoje, 31 de outubro, acontecerá às 19 horas em Sabará a Audiência Pública da AVG para licenciamento ambiental para extração de minério na Serra da Piedade. Mas como?A Serra não é tombada?  Pode perguntar o leitor que, com certeza, será acompanhado pela maioria dos caeteenses. que ficarão também perplexos com a notícia. Um ou outro que tenha acesso aos Estudos ou ao Relatório de Impacto Ambiental poderá argumentar: mas observem, não é mineração, é reabilitação da área degradada da Serra da Piedade, está escrito aqui na capa! Mas ao abrir os volumes verá que a contradição entre o título e o conteúdo é enorme, lá dentro está claro que é mineração como estamos acostumados a ver por Minas Gerais afora. Mas como se chegou a isso, um retrocesso depois de anos de luta do S.O.S. Serra da Piedade e muitas leis nas esferas federal, estadual e municipal para a proteção do nosso maior patrimônio. A história é longa e demonstra que o degradador sempre se aproveita de brechas e oportunidades para alcançar seus objetivos, mesmo que venham revestidos de legalidade e ostentando formas palatáveis aos olhos de muitos.
Após o fechamento da Mineração Brumafer, de triste memória, em meados da década de  2000, três agentes públicos, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Ministério Público Federal e Ministério Público de Minas Gerais entraram com Ação Civil Pública contra a empresa para que recuperasse as áreas degradadas pela atividade como determina a lei. No decorrer da ação que foi para a Justiça Federal - as coisas quando vão para justiça tendem a tomar caminhos inimagináveis, lembrem-se do recente julgamento do mensalão -  a Brumafer foi adquirida pela AVG Empreendimentos Minerários, empresa controlada do grupo MMX do Sr. Eike Batista que assumiu o passivo ambiental  deixado por sua antecessora. Durante as audiências do processo, sem a participação do movimento ambiental, a AVG argumentou que só seria possível recuperar a área minerando, isso é, aumentando ainda mais os impactos sobre o lugar, já bastante degradada pela atividade anterior, causando perplexidade entre os defensores da Serra da Piedade que acreditavam e acreditam ser possível somente a recuperação com um mínimo de interferência sobre a paisagem, um dos pilares que fundamenta o tombamento. A empresa apresentou alguns cenários e dentre os mesmos foi escolhido o que restringia as atividades de mineração às áreas já degradadas, mesmo que a AVG e o Departamento Nacional d Produção Mineral se esforçassem para que fosse minerada toda a encosta norte da Serra da Piedade, isso é, a que dá vista para a BR-381. O acordo foi feito e determinado a abertura de licenciamento junto aos órgãos do Estado, sendo que a Audiência é uma das etapas obrigatórias que deve contar com ampla participação popular e por esse motivo estranha-se a realização da mesma somente no município de Sabará, mesmo que Caeté seja também afetado e tenha uma profunda relação com a Serra desde o período colonial. Para Caeté sequer foram enviados os estudos completos de impacto ambiental, somente o relatório, documento insuficiente para análise, o que já demonstra pouca atenção para a cidade ou o temor da empresa que venha ao conhecimento público as reais dimensões do projeto. O que Caeté ganhará entregando seu maior patrimônio para exploração minerária durante quinze anos, fora alguns empregos dos quais não poderá assegurar serem para seus moradores, o que mais? Há de se levantar o papel de algumas instituições nesse processo, como o da igreja que recebeu a benesse no acordo de significativos R$2 milhões para obras no santuário, do Estado, municípios e até mesmo da Vale que pediu o cancelamento do tombamento federal em certo momento. 
Mais uma vez a Serra encontra-se ameaçada, mesmo que tudo pareça dizer que não.

Fonte: Termo de Acordo - Processo 2005.38.00,038724-5 (Justiça Federal, 14/12/2011)

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

A gente entende do São Francisco



Carta da II Plenária da Articulação Popular São Francisco Vivo

A gente entende do São Francisco. Nós, 43 representantes dos Povos das Terras e das Águas do Velho Chico, passamos três dias reafirmando isso. Viemos das beiras dos rios dos cerrados, caatingas e veredas, das ilhas e barrancas, da roça e da cidade. Das Minas Gerais e da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe e de Alagoas. Realizamos a II Plenária da Articulação Popular São Francisco Vivo, em Feira de Santana, na Bahia, de 27 a 29 de setembro de 2013.  A memória saudosa do fotógrafo João Zinclar e do líder quilombola Elson Ribeiro Borges nos animou ao compromisso fiel.
Nos locais onde vivemos, todos os dias, enxergamos o nosso povo a entranhar-se neste Vale como água. Correndo para o grande rio, como o São Francisco corre para o mar, com esperança de vida. Como árvore, vai em busca das raízes, a nutrir identidade e frutificar.
O que as ciências têm dito da situação do rio nos deixa alarmados. Dizem que ele está condenado e em 30 anos passará a ser intermitente. Nossos olhos comprovam, vemos menos água e mais areia. Hoje são as “croas” que traçam o desenho do rio assoreado. Ele está cada dia mais raso, coado, fraco, agrotóxicos e metais pesados no lugar de peixes. A cada dia exige mais esforço da gente pra dar conta do viver dependente de sua natureza degradada. A cada dia também nos cobra mais determinação na luta em sua defesa, a dar o grito por ele.
Empreendimentos do capital se multiplicam, mais intensos em destruir bens naturais e humanos com todo tipo de impactos socioambientais. A mineração, antes mais em Minas Gerais, hoje se espalha por todo canto, a gerar fabulosos lucros de exportação e a deixar estragos irreparáveis. Os parques eólicos imensos - falsa “energia limpa” - estão sendo impostos sobre vastos territórios da Serra Geral, na Bahia, avassalando comunidades camponesas. As barragens, grandes ou pequenas, públicas e privadas, inúmeras, significam morte certa para os rios. Energia barata com alto custo natural e social, impagável.
Dizem que é o progresso chegando, agora com o nome de “crescimento”. Já ouvimos esta pregação outras vezes e, de novo, é mentira. Promessas de emprego e renda, dinheiro e impostos. E demos com a cara em grandes plantios de eucaliptos, desmatamento, nascentes e rios destruídos. Em perímetros públicos de irrigação para empresas privadas endividadas e sustentadas pelas facilidades governamentais. Agora anunciam desastrosa exploração de gás de xisto no Norte de Minas, no Oeste da Bahia e na foz e funesta usina nuclear em Itacuruba, Pernambuco.
A transposição das águas do São Francisco para o Nordeste Setentrional é aquilo mesmo que dizíamos: ralo de dinheiro público e atrativo de votos em toda eleição, as últimas e as que virão. Canais rachados, túnel caído, empregos desfeitos, quase 9 bilhões de reais consumidos e esperanças vãs alimentadas. Comprovada também, nesta seca prolongada, que o que salva o povo sertanejo, os rebanhos e as caatingas são as iniciativas populares de Convivência com o Semiárido.  A revitalização do rio, barganhada pela transposição, não vai além do programa Água para Todos e do esgotamento sanitário limitado, inconcluso e superfaturado.
A tristeza de ver o rio caminhando para morte, sob a irresponsabilidade geral, não nos desanima. As dez experiências de luta trazidas para a Plenária - por territórios tradicionais, no enfrentamento dos projetos degradantes e na busca por revitalização da Bacia do São Francisco - revelaram que a esperança de vida do rio e de sua gente está na resistência e nas iniciativas do povo organizado, mobilizado e articulado. A revitalização do rio é obra para todas as mãos, mas interessa primeiro aos pobres que visceralmente dele dependem e por ele se levantam. Neste rumo vão as decisões de ação da São Francisco Vivo para os próximos anos: lutas territoriais, enfrentamento dos projetos capitalistas, recuperação de microbacias, saneamento ambiental e consolidação da Articulação. Convocamos a se juntarem a nós os que põem a vida acima do dinheiro. São Francisco Vivo: Terra, Água, Rio e Povo!

Feira de Santana, 29 de setembro de 2013.
Articulação Popular São Francisco Vivo.